foll

terça-feira, 11 de março de 2008

Borrão Alemão.

Borrão alemão
Deitado na cama fria, o outono era vazio. A mulher morena repousada ao meu lado nada tinha além de ser morena ter sedosos cabelos longos. Seus olhos fechados, uma pinta do lado do rosto, fios arregaçados de serem punhados e puxados, mas ali calma parecia adolescente depois da surra. Pensei em sair fora dali o quanto antes, não queria ouvir palavras românticas, nem comer merda nenhuma. Fora um erro aquela cama, a morena e a sua gemida que mais parecia um estrago de animal sendo dopado. Senti-me mais vazio: nojo de mim. Sair abruptamente dali era tudo que queria, mas não faria isso, a mulher era uma apaixonada, ou se não, cantava Alcione por aí pra qualquer filho da puta.
Estava definitivamente com o humor ruim, naturalmente sou mais doce com quem como. 

Beijei sua orelha, pois só beijava os olhos de quem ainda restava-me algum sentimento. Outra mania era ainda roubar um souvenir para levar como tormento quase sentimental em minha casa cheia dos próprios: e ainda fazia arte com eles: "O hímen" era uma delas. Uma mistura santificada de sangue real de Deadora, ex-namorada e ex-virgem que só me dava e, portanto, manipulava-a para mantê-la em um cativeiro mental, até por ela ter uma espécie de adoração por minhas artes entranhadas em quadros geniosos. Inclusive seu sangue estava ali, só que ela não sabia é que juntamente com o de Hellen, que cortara o dedo como pacto, em uma espécie de encontro sado de amor.
Essas mulheres, essas meninas-mulheres... E ainda lembrei-me de Bia, cujo caso fora pior. Estremeci, não quis lembrar mais.
Contorci-me na cama vagarosamente a fim de sair dela, mas não... A morena tinha um sono fraco, que diabo, logo acordou. Abriu os olhos e sorriu dengosamente balbuciando " Meu amor". Meu amor?
Abriu os olhos e isto já bastou para a mulher em sua carência atirar-se mais, nua e com cheiro do meu gozo.
- Meu alemão, não faça essa cara de que vai agora, vou fazer café pra você, não gosta de café? Faço chá, faço outras coisas também... – “Puta que pariu, não lhe disse, nem diria, mas não queria sexo, não queria fazer poema nem ao menos pintar, nem café. Talvez café... Mas se estivesse sozinho, talvez água de coco, mas vou querer cagar e não quero aqui.
- Morena dos olhos de fel - peguei seu rosto entre minhas mãos branquelas - tenho que ir pro ateliê, estou inspirado – Odeio mentir, mas “de certa forma” realmente estava inspirado, só que inspirado a ficar sozinho - você tem os olhos de abelha rainha, tem mel nos lábios. - os olhos dela brilharam. Esses tipos carentes quando elogiadas, pronto.
- Te quero... – Disse ela com os olhos brilhando. Grande paixão humana: Vaidade. Agora era a hora.
- Então repete que me quer. - disse com olhar atento, sem piscar e indo beijar seu rosto, suspirando em seu pescoço.
- Te quero, .... - Já estava excitada, ótimo. Hora de ir e deixar o gosto de seu querer mais e não ter mais, que o ser humano também compete essencial. – Sorri já vestido, e bati a porta do apartamento pequeno ouvindo seu “não” em forma de suspiro - e sai fora com meu pensamento trêmulo.

Praia de Ipanema, Rocinha do lado. Aquele solzinho tênue e inebriante me fez lembrar aquela música "fascinação" que escutava enquanto minha avó via uma novela latina. Ou talvez lembrasse algo de Dali, deveria. 
Papéis em branco na mesa, mulheres mais velhas passando, idosas e idosas caminham na porra da zona sul essa hora: só tem rico nessa merda e jovem nascido no berço de ouro; a vida aqui é para turistas e para esses putos, amigos de artistas, ou fofoqueiros de revistas. Alguns pontos destes lugares alguns artistas, lojistas, estas aqui, como aquela; ou aquele restaurante, uma beleza. Os turistas querem ver morro, ali do lado a rocinha, querem ver o requinte brasileiro: aqui do lado a ilusão.
Vejo uns jovens vestidos de preto, pouco importa; mas vejo uma loira olhando o mar, sozinha contemplando a plenitude. Sabe se lá se era loira de verdade, mas a pele era branca quase pálida, gélida, não sorria e todos envolta conversavam algo, arrumados
parecia-me da noite anterior. Um mais espevitado a chamou, não ouvi seu nome, ela fumava um cigarro e analisava não sei o quê mais.Talvez sua vida de jovem narcisa, sua sainha de colegial ou sua camisa preta de botões, piercings, essa mania jovial ridícula de se auto-mutilar. De fato queria aparecer, mas estava ali, enquanto todos conversavam ou puxavam assunto a um metro. Ela fitava ainda o maldito mar que fazia uma ótima pintura na parede do horizonte.
Eu me sentei mais à ver a menina, poderia ser uma inutilidade, mas tudo está na nossa cabeça. Espevitados provavelmente gays de Ipanema tiravam fotos, ela levantou-se, fez uma pose. Estavam de costas para o mar e a narcisa me viu. Estava com minha calça bege e camisa de botão branca, desarrumado, mas dane-se, eu sou o que analiso aqui. Ela sentou novamente, dessa vez de lado. Às vezes olhava, longamente e fumava um outro cigarro de filtro amarelo. Nem devia saber fumar, para quê estava fumando não sei. Esses jovens acham que é bonito, só pode ser.
A distância minimizou-se. O olhar da narcisa era um poço de velhice. Ou ao menos transpassava. Queria saber da sua vida. Ela provavelmente pensava o mesmo, o que me fazia muito bem. Os espevitados a chamavam, já de pé caminhando e puxando-a em direção a estrada. Ela parada, sorriu de lado, disse alguma coisa, a maldita, sentaram-se mais. Soou errôneo; pensei mil hipóteses. Lembrei de minha irmã que morreu ainda nova, loiríssima, com aquele mesmo olhar. Não era dado a essas coisas, mas em meu ateliê mantinha um quadro dela pintado, o único ser em que minha sinceridade transcendeu o ápice dos costumeiros vai e vens inoportunos da vida chula que às vezes carregava.
Ela não parecia inocente mais, ou talvez não quisesse parecer inocente mais. De pé com o resto dos jovens, ela não me parecia tão jovem, andando como mulher ou ave a olhar cada canto do céu e ao mesmo tempo querendo que eu contemple. Cheguei perto com os olhos, por que ela chegava perto com os gestos, de certa forma, ela devia sentir uma indigesta noção de meu olhar, mordeu os lábios e fez uma feição de "pois é", que diabo feição, agora dá para analisar a fundo.
Moravam longe, pegariam ônibus do outro lado da rua. Passaram por mim e ela ainda ficou do lado do bar com um amigo só, colocando o salto, encostando-se na mesa. Não conseguiu colocá-lo, até ri, a estabanada teve de sentar. O amigo do lado falava
coisas sobre a vida, analogias loucas, e pude ouvir a rouquidão doce da voz da loura dizer:
- Peguemos um papel, escrevamos a vida paralela que cada um leva. Prefiro olhar o borrão que o céu faz refletir-se em nós do que viver da ilusão dos hipócritas. Mas vá lá, como tu dizes, "a vida sexual alheia aos outros é melhor ser dita...", pra quem vive e não suporta a morte que não seja a vida inteira de " de repente, não mais que de repente" de Drummond!

Arregacei os olhos e gravei na mente avaliando, o amigo com um sorriso de lado, completou:
- Pois as Hienas não fazem sexo, riem de tudo e ainda sim, viva Às Hienas! - O amigo debruçava-se sobre a loira, meio bêbado. Saíram de lá, até o ponto, a loira olhou-me, apontou para o papel sobre a minha mesa e foi-se embora.
Olhei atento; boa hora que saí da morena; desta vez não mentira para mim mesmo: estava com uma inspiração para pintar.